Lançado no dia 27 de fevereiro de 2020 no Brasil, Você Não Estava Aqui é um filme do diretor Ken Loach, com roteiro de Paul Laverty e produção de Rebecca O'Brien. Ele conta a história de Ricky e sua família, que lutam para pagar as contas desde a crise de 2008. Quando Ricky recebe a oportunidade de ter seu próprio negócio, pensa que as coisas finalmente irão melhorar e ele terá mais dinheiro e tempo para passar com a família. No entanto, sua decisão afetou a todos da sua família e, o que parecia ser bom, se mostra mais complexo e desafiador do que aparentava.
Algo que chamou bastante atenção desde as primeiras cenas foi a "falsa" liberdade que a pessoa sente ao ser dona do próprio negócio. Ricky entra para uma franquia de entregas e, ao assinar o contrato, ouve tudo o que gostaria que acontecesse com ele. Algo como "Você será dono do seu próprio negócio, vai fazer seus próprios horários, vai escolher suas entregas e rotas. Não estou aqui para ser o seu chefe, você será seu próprio chefe, Ricky. Desde que cumpra suas entregas, não nos importamos com seus horários, isso fica nas suas mãos".
Sua esposa, Abbie, é cuidadora de idosos e precisa usar o carro para trabalhar, afinal, seus clientes moram longe. Ricky prefere comprar uma van da empresa de entregas do que alugar uma e vende o carro da Abbie para conseguir o dinheiro necessário. Investimentos são necessários para se empreender, mas até que ponto podemos acumular mais dívidas? Esse foi um dos questionamentos que passava pela minha cabeça.
Nesse meio tempo, Ricky passa a trabalhar cada vez mais para dar conta das entregas e presencia várias cenas de brigas no início do expediente, quando todos estão indo buscar as entregas do dia. Alguém chega atrasado, leva advertência. Outro precisa de um dia de folga para resolver assuntos familiares, quase é despedido. Mas cada franqueado não deveria ser dono do seu tempo? Então o que realmente está acontecendo ali, se oficialmente ninguém é funcionário da empresa? A autonomia dita no momento de assinatura do contrato se mostra cada vez mais contraditória e Abbie vai chegando cada vez mais tarde em casa, por precisar usar o transporte e pegar turnos extras. Isso faz com que os filhos, Liza e Seb fiquem cada vez mais afastados dos pais, e os problemas só se acumulam.
A falta de comunicação é visível. O pai precisa trabalhar e está preocupado com as despesas, precisa colocar comida na mesa. Abbie pensa nos filhos a todo momento, liga para eles durante os intervalos no trabalho e sente que está perdendo o controle. Seb está enfrentando dificuldades na escola, inclusive tendo a menção de um grupo de garotos que bateu nele depois da aula. Ele acaba não querendo mais estudar, dedicando seu tempo a desenhos e pichações nas paredes, incluindo roubar tintas de spray do supermercado.
Uma das cenas mais marcantes é quando Seb, em uma discussão com o pai, debocha da profissão dele. "Você quer que eu estude pra que? Virar o senhor? Um entregadorzinho de encomendas?". Se isso doeu até em mim, uma mera espectadora, imagine um pai tendo que ouvir isso do seu próprio filho? Em contrapartida, existem momentos em que Ricky está tão cansado e frustrado que desconta na própria família através da violência, e Seb não sente que pode conversar e confiar no próprio pai. Liza, a caçula, vai sofrendo cada vez mais com a ausência dos pais e com as brigas familiares. É tocante como, ela sendo tão novinha; precisa cuidar de si mesma e, em certos momentos, se sentindo até na obrigação de cuidar dos seus pais e da família - já que aparentemente ninguém estava conseguindo ocupar esse papel.
Existem momentos engraçados e divertidos durante o filme, mas fato é que ele não foi feito para agradar o público. São cenas que te angustiam, causam tensão, em certas partes confesso que senti uma mistura de raiva com pena. Penso que é algo a ser assistido, extremamente necessário em períodos onde as relações de trabalho estão se fragmentando cada vez mais. Até que ponto um trabalho deixa de ser saudável e passa a ser doentio? Fica aí o ponto de reflexão.
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