Crítica: Judas e o Messias Negro



Em um mundo formado por preto e branco, muitos daqueles que se autodenominam cinzas, na realidade só usam o jargão como um fino disfarce para o extremismo.

A câmera de Shaka King nos mostra a agitada Chicago dos anos 60. Marcada por uma série de eventos, a década da rebeldia se esforçava para conquistar direitos civis básicos para aqueles colocados a margem da sociedade. Seguindo essa lógica, o novo filme “Judas e o Messias Negro” vai de encontro ao movimento negro e, especificamente, investiga os elos político-sociais em torno da famosa organização denominada de “Panteras Negras” que conta com o jovem líder revolucionário Fred Hampton. Em contrapartida, o antagonismo é representado pelo próprio governo americano que, no entanto, joga seu “vilanismo” para a Ku Klux Klan e se coloca em uma zona cinza e, consequentemente, se vê como um justiceiro que precisa estabilizar o caos público. A ligação entre Fred e o Estado se dá pelo ladrão Bill O’Neal que acaba sendo um infiltrado da polícia dentro dos Panteras ao invés de pagar pelos seus crimes. É através desse enredo que essa história real se transforma em um dos roteiros mais fortes da award season de 2021.

Desde o começo, o espírito revolucionário evocado por Fred Hampton é mostrado como a essência da narrativa, sendo assim, toda a construção com os Panteras Negras é marcada por uma escolha estética presente tanto nos diálogos quanto nos ambientes que declama urgência e deixa o espectador ansioso pelo o que vem a seguir. Por essa razão, quando nos é revelado uma faceta mais violenta do conflito não há um choque que nos afasta, ao invés disso, surte um efeito que complementa a experiência e a sustenta ao longo de toda a trama. Arrisco em dizer que as cenas frias e exageradamente iluminadas que se passam nos escritórios dentro dos departamentos de polícia são mais repulsivas, mesmo que sejam mais orgânicas e envolvam uma violência implícita

É desse modo que o longa marca seus fundamentos e suas críticas, Fred é a voz de um povo que padece, por isso ele pretende criar uma coligação, o que o configura como uma figura simbólica de um líder messiânico e, logo, o governo, representado como obsoleto, tem toda uma narrativa racista e destrutiva em torno de si que se encontra muito mais próxima da supremacia branca do que da igualdade entre os povos, sendo também como uma figura ditatorial romana, a mesma que foi responsável por julgar o messias cristão.


Além disso, devemos entender que o filme é muito dependente do desempenho de seus atores e, felizmente, esse quesito rouba toda a atenção. Daniel Kaluuya consegue estampar a fase da revolução que era trazida por Fred, mas ainda assim cria um elo muito interessante entre o humano e o divino, sem nos deixar colocá-lo em outro patamar e nem nos permitir esquecer o poder que exala dele. Como Judas e Maria Madalena, respectivamente, Lakeith Stanfield e Dominique Fishback conseguem passar com muita sutileza a mimetização de suas trajetórias como dessas figuras bíblicas tão recorrentes na cultura pop. Bil mesmo entregando Fred para as autoridades não se coloca em posição de negação à causa revolucionária, uma parte de Hampton reside nele, mas diferente do romantismo de que isso seria o suficiente para mudá-lo, a história coloca esse fato apenas como um artifício de dor e de culpa que o atormenta, mas não o para. Já Deborah, mesmo com seu tempo de tela bem limitado, consegue passar a dor da perda de seu amado, mas que carrega seu filho que representa simbolicamente o futuro da revolução e se concretiza na ideia principal do longa sobre a possibilidade de matar um revolucionário, mas não a revolução. 

Por último, temos Roy Mitchell que justamente é aquele que se coloca como o intermediário do extremismo, mas que demonstra ser uma peça de um grande sistema que só se importa em manter o status quo. Essa ideia é construída de maneira muito sofisticada e só é revelada aos poucos e em cenas que são muito efetivas para criar o ambiente de luta e opressão que o filme se propõe a contar. É sobre  a luta de Fred Hampton para destruir essa normalidade que mata pessoas negras apenas por serem negras e aprisiona todos dentro de uma sociedade de consumo e como o Bill foi usado para desmantelar o processo revolucionário. 


Toda essa movimentação é marcada pela força da juventude da época. Shaka King ao escolher uma montagem que traz materiais audiovisuais da realidade, conclui que as palavras e as ideias das pessoas novas dos anos 60 atravessaram gerações e permanecem até hoje como base para diversos movimentos que buscam paz e justiça, evidenciando que a força de Fred Hampton ainda é essencial para manter as lutas vivas.

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