No mês de julho de 2021,
o plano da Netflix de estreias semanais tomou uma atitude arrojada com a
trilogia “Rua do Medo”. Baseada nos livros de terror de R.L. Stine, a saga de
filmes foi escrita e dirigida por Leigh Janiak e ganhou seus títulos de acordo
com o ano em que o longa se passa. Dessa forma, foram lançados consecutivamente
“Rua do Medo: 1994 – Parte 1”, “Rua do Medo – Parte 2: 1978”, “Rua do Medo:
1666 – Parte 3” com intervalos de uma semana entre eles. Discutiremos sobre o
enredo, levando em consideração spoilers, e um pouco sobre esse novo formato de
estreia e as intenções de um formato que se aproxima mais do que nunca com a
dominação das plataformas de streaming no mercado cinematográfico.
ENREDO
A trilogia ganha espaço
em uma cidade chamada Shadyside cujos antecedentes não são dos melhores, pois
uma série de massacres já aconteceram na região. Todos eles são atribuídos a
uma maldição empregada pela bruxa Sarah Fier (Elizabeth Scopel) – nome que ecoa
constantemente durante os três filmes.
Levando em consideração
de que se trata de uma saga de filmes que presta homenagem ao gênero do terror,
mais especificamente ao famoso subgênero do slasher, há certas
construções narrativas esperadas. Uma delas é a trama girar em torno de um
grupo de adolescentes. A protagonista, por sua vez, é Deena (Kiana Madeira) que
possui uma relação ainda não totalmente resolvida com Sam (Olivia Welch), sua
ex-namorada. Além disso, temos seu irmão mais novo Josh (Benjamin Flores Jr.) e
seus dois melhores amigos Kate (Julia Rehwald) e Simon (Fred Hichinger).
O drama se desenvolve de
maneira cíclica, começando e terminando no mesmo local: o shopping de
Shadyside. De início, a diretora faz referência a icônica cena de "Pânico" (1996)
em que Drew Barrymore tenta fugir do Ghostface, já expondo a intenção da
saga, além do seu antagonista e a respectiva capacidade dele. Da mesma forma, vemos Maya Hawk correndo pelo
local que trabalha até ser brutalmente assassinada pelo seu melhor amigo. Dois
elementos intrínsecos às obras se manifestam evidentemente: a fotografia marcada
por uma coloração neon e a estilização baseada na tradição do gênero construída
principalmente entre as décadas de 80 e 90, sendo assim, operando em movimentos
de câmeras e efeitos típicos da época, sem a intenção de satirizar, no entanto.
Diante desse massacre, a
cidade fica aterrorizada e a figura dúbia do xerife Nick Goode (Ashley
Zuckerman) começa a ganhar suas primeiras facetas no processo de investigação.
O núcleo principal entra diretamente na saga quando em um acidente, Sam entra
em contato com a Bruxa Sarah Fier o que lhe faz ser caçada por entidades
assassinas que não podem ser mortas. Tudo gira em torno de ajudá-la e, dentro
desse arco, desenvolver o amor que existe ainda entre ela e Deena. De forma
geral, pode-se dizer que o primeiro filme é contemplado por uma narrativa
coerente, imersiva, original e que busca mais contar uma história do que chocar
com momentos de violência gráfica, embora elas não sejam ausentes. O final dele
dá gancho para o segundo, pois conhecemos Ziggy (Gillian Jacobs), a mulher que
havia sobrevivido a um massacre anterior e cuja trajetória foi essencial para
que Sam pudesse conseguir também.
Em “Rua do Medo - Parte 2: 1978”, o palco para a homenagem a "Sexta-Feira 13" (1980) é o Acampamento
Nightwing que foca no relacionamento fraternal de Cindy (Emily Rudd) e Ziggy
(sua versão jovem interpretada Sadie Sink) que se baseia no arquétipo irmã mais
velha exemplar e caçula revoltada, respectivamente. Também vemos o jovem Nick
Goode (Ted Sutherland) e outros núcleos que rondam as duas irmãs. Para essa
continuação o principal elemento – reduzido no primeiro – é a violência
gráfica. A história em si demora para se desenvolver e não é tão cativante
quanto preza por isso, o que cria uma certa artificialidade para quantidade de
violência empregada, embora sejam bem dirigida e ainda estejam dentre uma
estética em que as cores são destacadas. Certamente, uma homenagem clara e sem
restrição que leva a mais um passo para resolver as questões do presente sobre
Sarah Fier.
Na conclusão da saga,
Deena experiencia os últimos dias de vida de Sarah Fier em uma pequena vila
chamada Union em 1666. Os atores dos dois últimos longas retornam para viverem
as personagens da visão que a própria bruxa está passando para a protagonista. O
twist está presente na descoberta que o verdadeiro culpado é Solomon Goode
(Ashley Zuckerman) que fez o pacto com o diabo para conseguir o que quisesse e
em troca permitiria que alguém fosse possuído para ser feito um massacre, se
tornando algo geracional que estendeu por todos os homens da família Goode.
Sarah Fier, por sua vez, havia apenas sido incriminada e por ser uma mulher
lésbica foi facilmente julgada pelos boatos. A saga retoma ao presente onde
enfrentam Nick Goode e os assassinos invocados por ele, terminando a maldição
com a vingança daquela que foi morta injustamente. De forma, o filme consegue
ser envolvente e resolve todas as pontas soltas de forma satisfatória, mas sem
abrilhantar sua narrativa como os demais.
O seu formato de
distribuição já diz muito, afinal estamos acostumados a esperar pelo menos um
ano para ter uma continuação de um filme. Nesse caso, a Netflix decidiu ser
mais ambiciosa e trazer o público de forma mais imediatista – e, essencialmente, só poderia ser possível pela dinâmica de consumo do streaming. Isso teve dois
resultados bem interessantes: aumento gradativo da audiência com o passar das
semanas e um formato de conclusão de obra que beira às estruturas normalmente
adotadas pelo conteúdo para TV. Uma distribuição que inova a experiência no streaming,
algo que as demais plataformas podem acabar explorando pela positividade tanto
entre os espectadores quanto na crítica. Entretanto, quando olhamos para a
estrutura narrativa que estamos condicionados ao ver um filme, acabamos tendo
uma sensação diferente, o que traz a saga para uma perspectiva de continuidade
semelhante a uma minissérie, pois, de fato, seu formato condiz com uma obra que
foi recortada, não existindo tão independentemente. Todos os finais possuem
ganchos para os próximos de modo que as sequências sempre acabam do mesmo ponto
e revelando camadas de uma mesma história, não existe uma quebra clara quando
observamos sagas como Indiana Jones ou mesmo dentro do próprio terror, como
Pânico. No entanto, esse modelo televiso é funcional por suas razões e talvez
seja um passo que pode ser dado em direção a uma mescla das estruturas que já
aconteceram em outros momentos da história do cinema.
Outro ponto interessante
é a tentativa de unir um público diverso, apostando tanto na faixa etária daqueles
que viveram mais intensamente as décadas de 80 e 90 quanto dos nascidos em a
partir de 2000 – a famosa geração Z. As referências aos clássicos filmes de
terror são abraçadas de forma inteligente e abrilhantam a história atraindo
essa geração para uma nostalgia e pavimentando o caminho para que uma nova se
interesse também. Mas a diretora não deixa com que seus filmes fiquem reféns da
referência, por isso há uma identidade visual bem presente principalmente pela estilização,
principalmente o neon, e na questão narrativa, tem uma subversão de arquétipos
clássicos, colocando em evidência uma protagonista negra e lésbica. Há um apelo
para uma visão mais aberta do terror que tem espaço para a propagação de
discursos que conversam com a atualidade, como a ideia de Sarah Fier ser somente
uma bruxa por ser uma mulher lésbica em uma sociedade que protege o patriarcado,
mas sem recusar o passado, como a influência do slasher que ecoa em
todos os filmes.
Ame ou odeie, os filmes apresentam uma ideia forte que chega muito bem no circuito mainstream de produção, e podem acabar sendo uma nova experiência para o cinema de gênero. A série de filmes segue aberta para novas adaptações, mas, sobretudo, evoca a busca de uma representação cinematográfica que contempla seu tempo, porém que se beneficia de sua tradição.
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