Jordan Peele e o terror espetacular de 'Não! Não Olhe!'



Keke Palmer como Emerald Haywood / Imagem: Universal Pictures

 É suficiente apenas olhar?
'Não! Não Olhe' é o mais novo filme do diretor americano Jordan Peele. Com um elenco cheio de estrelas como Daniel Kaluuya - que já havia trabalhado com Peele em seu longa mais conhecido, 'Corra!' -, Keke Palmer e Steven Yeun, a película marca o retorno do diretor às telonas desde o lançamento de 'Nós' em 2019.

O enredo é centrado nos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) que, junto ao seu pai, administram um negócio de aluguel de cavalos para filmes e comerciais. Tudo segue normalmente até que eles começam a perceber coisas estranhas na pequena cidade que moram e, mais precisamente, em sua fazenda. Eu sei, essa é a descrição mais vaga possível de um filme, mas como o próprio Jordan Peele quis manter um mistério sobre o longa, quem sou eu para estragar isso? Portanto, a partir desse ponto, aviso que essa humilde crítica conterá pequenos spoilers. Se você não se importar, pode continuar lendo; se sim, apenas um conselho: Não! Não Olhe! (e é claro, você é mais que bem-vindo a voltar depois de assistir).

Eu gostaria de começar com o maior atrativo desse filme: Jordan Peele. O diretor consegue mais uma vez mostrar que a originalidade é intrínseca ao seu trabalho. Jordan surpreende seu público, não com plots twists fracos feitos apenas para impressionar por alguns míseros minutos, mas com um enredo tão bem trabalhado e espetacular que é impossível não olhar. O suspense que Peele constrói no filme é todo em volta do desconhecido, do fato de não sabermos o que é a figura no céu que os Haywood vêem. O longa é moldado como um épico moderno; primeiro temos a morte do pai dos irmãos, que se dá quando começa a chover objetos aleatórios do céu e uma moeda o atinge violentamente. A partir disso, o filme nos instiga a saber exatamente o que tanto atormenta OJ e Emerald e a todo tempo queremos olhar, olhar e olhar o que é. Só que o filme não apresenta - fisicamente e nem biologicamente - o seu antagonista de imediato. Ele nos obriga a aguardar, a entender o que estamos assistindo e a digerir ao invés de devorar. 

Pôster de 'Não! Não Olhe!' / Imagem: Universal Pictures


Apesar de todos os pontos positivos que Peele traz na obra, a obviedade acabou me atingindo em uma parte importante do filme. Não digo isso com arrogância, mas com a vontade um pouco infantil de quem queria ter sido surpreendida mais uma vez. A partir do momento que você entende que eles estão vendo algo no céu, sua mente vai diretamente em ‘criaturas extraordinárias e além da nossa compreensão’. E é exatamente isso que é. No entanto, a diferença de ter um diretor e roteirista como Jordan no comando é na forma que isso é tratado e desenvolvido. É nova e é sensível na mesma medida que é épica. 

Os atores dão um show, é claro. Kaluuya e Palmer constroem uma dinâmica fraterna incrível de assistir, com um belo contraste entre o irmão mais velho e calmo e a mais nova e cheia de energia. Peele, ao invés de usar essas diferenças para propor uma relação difícil (e óbvia) entre os dois, dinamiza os irmãos com nuances e uma parceria forte e inabalável. Um ator que eu estava super ansiosa para assistir no filme era o Steven Yeun; desde que ele arrasou em ‘Minari’ fiquei animada com o que vinha a seguir. Porém, me decepcionei um pouco com a participação pequena e um tanto inútil dele no longa. Mesmo que o seu personagem - um ex-ator mirim que tinha um parque temático na mesma cidade dos Haywood - tenha contribuído para a discussão em torno da espetacularização que o filme traz (e que falarei mais especificamente a seguir), ele tem poucas cenas e impacto para o enredo num geral. 

Keke Palmer e Daniel Kaluuya como Emerald e OJ Haywood / Imagem: Universal Pictures

‘Não! Não Olhe’, muito mais que um filme de terror, pondera sobre a necessidade humana de transformar tudo em um belo ou horroroso espetáculo. O longa expõe a vontade de muitos em  domar e ver a olho nu tudo que lhes é estranho. Mais do que isso, o filme critica a urgência de se estar no centro de um acontecimento só para ter o prazer incansável de ser protagonista. Peele, como sempre, traz uma reflexão sob todo o horror que está mostrando. Claro que nunca de uma forma pretensiosa que grita “Oh, meu Deus! Como sou um inteligente crítico social que precisa iluminar as cabeças sempre vazias do meu público”, mas de maneira divertida e que mantém uma discussão pertinente e perene em torno de diversos assuntos. 

Bom, e você? Teria coragem de apenas olhar?

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